Dos gritos silenciosos

quarta-feira, 24 de agosto de 2016


Esses dias, na fila da farmácia, um homem esbravejava na fila do caixa contra o governo, o sistema e os empresários. O tamanho da fila despertara no homem a fúria que iniciara todo o discurso. “Não contratam mais a gente em idade de serviço, contratam aposentados, para não pagaram os direitos”, dizia atrás de mim. “Empresários são assim, por isso que o Brasil não vai pra frente, é cada um por si... empresário domina tudo, só pensa em si...”. Não olhei para trás para não concordar e nem discordar. Não que eu discorde, mas acontece que, naquele dia, eu não estava para críticas. Não que ele não devesse esbravejar, mas acontece que ninguém ouve. Eu ouvia, mas fingia não ouvir. A moça do caixa também ouvia, mas fingia não ouvir. Ele estava atrás de mim, e passou suas compras de remédios logo após a minha saída. A última coisa que vi foi que ele mexia na cestinha de remédios em promoção, já em silêncio, examinando algo para dor de cabeça, em meio à fila que não o ouvia e os gritos silenciosos que calara desde então.


"Todos dizem eu te amo"

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Primeiramente, #ForaTemer (desculpem, não resisti!).
"Segundamente", não, este texto não é baseado no filme de Woody Allen.

Acontece que sempre tive dificuldade com esta frase, por acreditar que ela significa muito mais que a expressão verbal de um sentimento ou afeição. Para mim, um "eu te amo" não é cumprimento ao desligar o telefone, não é frase de apaziguamento de brigas, não é xaveco. Por isso muitas vezes sou considerada cética ou insensível, como quiserem chamar. Quando ouço um "eu te amo", logo faço uma análise profunda, que começa nos olhos do falante, passando pela expressão facial, os gestos das mãos, sobrancelhas, suor. Analiso o tom de voz, a sinceridade do olhar, a capacidade de concentração. Só então lanço o veredito sobre se há ou não amor. Se amo reciprocamente, respondo. Se tenho dúvidas, silencio. Observo os casais, as pessoas, famílias, e vejo a palavra amor se perdendo em meio às frases soltas ao vento, no xaveco mal formulado ou nos olhares desinteressados e enfadonhos. Eu acredito no amor, porém, é preciso lidar com as palavras. É preciso saber a sua força.


 
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