Foto: Wolfgang Filser
“O pior, no estrangeiro, é que não posso adivinhar o que as pessoas são ou sentem ou pensam ou fazem. Tenho que ficar com a figura física de cada um”.
(Clarice Lispector - carta escrita em Torquay, Inglaterra. )
Essa frase está no livro Minhas Queridas, da Clarice Lispector, uma compilação de cartas entre Clarice e as irmãs durante o tempo em que a escritora morou no exterior.
As palavras de Clarice nesta frase chamam a atenção pela ideia de percepção do outro que a autora demonstra. Clarice dá-nos a entender que a nacionalidade é um fator importante para o verdadeiro conhecimento das pessoas, conhecimento este no sentido de estar inserido na mesma cultura e ambiente e, portanto, inseridos num mesmo contexto de pensamento, julgamento, modos, sentimentos, etc.
Seria isto, então, possível?
Aqui conversamos sobre este assunto sem qualquer base para análises psicológicas, ou até mesmo psicanalíticas sobre o tema (principalmente pela falta de conhecimento científico), embora haja seguidores do blog formados em psicologia, e que talvez compreendam melhor o assunto.
As diferenças existentes entre as culturas vão muito além do idioma que falam, ou das expressões e seus correspondentes. Aqui falamos sobre o modo de pensar diante de um fato que ocorra no dia a dia, no meio da rua, ao descermos do ônibus na avenida movimentada; falamos sobre o julgamento que se faz sobre aquele que dorme na calçada porque não tem um teto, um lar; ou sobre os motivos que levaram a moça da esquina a se prostituir no meio da noite. Talvez alguns pensamentos ou sentimentos sejam universais, como a repugnância a determinados tipos de crimes, ao abandono de um bebê na lixeira de um lugar qualquer (como temos visto muito, ultimamente), porém, é muito válido pensar sobre como a realidade de cada país influencia sobre a formação do seu cidadão, do seu indivíduo.
O drama de Clarice, que viveu tanto tempo no exterior em constante mudança de países devido ao trabalho diplomático do marido, era olhar para este outro e não captar estas premissas que captaria em nós, brasileiros como ela, com os mesmos pressupostos e mesma cultura, e ter de se limitar à "figura física de cada um", à aparência externa, à fisionomia capaz de disfarçar ou simular os sentimentos. Para uma pessoa extremamente sensível e observadora, ou, até mais, uma profunda entendedora da mente humana e suas angústias, alegrias, filosofias e dúvidas, como era Clarice, a dificuldade de compreensão ou de "sentimento" (como algo intuitivo) do estrangeiro era considerado um desafio que a inquietava. E neste ponto tratamos de pessoas com uma capacidade de percepção intensa, sendo este talvez um dos motivos da intensidade dos enredos e das personagens criadas por Clarice, às vezes tão complexas e, ao mesmo tempo, tão identificáveis por nós, parecendo mesmo reflexos.
A questão final é, portanto, até onde você é capaz de "adivinhar o que as pessoas são, sentem ou pensam", ou você se contenta com a figura física dos que atravessam o seu caminho??? Acho que este último não é o meu caso!
PS: trabalho contínuo, cansaço, preparativos para as férias... tudo isto me mantêm longe do blog. Mas volto, sempre! Inté!!!