"Eu quero a sorte de um amor tranquilo" (Cazuza)
Paixões duram no máximo três anos, diz o personagem de Wagner
Moura, Pedro, no filme Romance (2008), de Guel Arraes.
Com o enredo desenvolvido em torno da encenação da história
mítica de Tristão e Isolda, Pedro e Ana (Letícia Sabatella) vivem uma bela
história de paixão, amor, encontros e desencontros. É interessante notar como
as paixões são tratadas no decorrer do filme. A paixão de Tristão e Isolda,
cujo final trágico leva, há séculos, milhares de leitores e espectadores às
lágrimas, é utilizada como parâmetro para as discussões sobre amor e paixão em
nossos dias. É preciso sofrer tanto por amor? Existem amores tranquilos? O amor
entre Pedro e Ana nasce puro e apaixonante. Personagens que se encaixam e se
completam, prontos para viverem o romance perfeito e duradouro dos sonhos dos
seres humanos. Porém, Pedro, cético e pessimista, já nos alerta desde o início:
paixões duram apenas três anos.
Fadados, então, à falência do amor e à deterioração da
paixão, Pedro é consumido pelo ciúmes (da carreira e da pessoa de Ana), e, como
personagem de romance que é, insatisfeito com o mundo à sua volta (o herói
romântico de Lukács), põe fim à história que o espectador tanto almeja que
tenha um final feliz.
Por que seria tão difícil acreditar que haja amor eterno? O
amor compartilhado, cultivado e alimentado pode crescer e se multiplicar, e
durar. Nós, descrentes de paixão e confiança no outro, colocamos limites e
barreiras. Sem querer, criamos histórias paralelas para preencher o vazio que o
outro nos deixa com a sua ausência, inclusive histórias destrutivas. Muitas
vezes nós mesmos ocasionamos a ausência, como acontece no filme, com o
aparecimento de Orlando, personagem de Vladimir Brichta, pelo qual Ana se
apaixona na ausência de Pedro em sua vida.
E as histórias paralelas não duram, ao contrário, retomam
vestígios do amor antigo, buscando
semelhanças para confortar a falta e tentar sobreviver. Histórias paralelas e,
no entanto, ainda repletas de vida e de plenitude, mas que não são o enredo
principal. Somos heróis de um romance boicotado por nossa própria descrença e
insatisfação com o mundo e com o outro. Não aceitamos as diferenças, não
compreendemos a diversidade e não discutimos mais a relação. Nossos heróis
favoritos sofrem há séculos por amor, e assim seguimos, também sofrendo. Mas há
uma imensa diferença entre nossa geração e a de nossos heróis: criamos nossas
próprias barreiras e impedimentos; muros erguidos entre nosso coração e o
mundo, na tentativa de nos protegermos da dor. Tristão e Isolda, Romeu e
Julieta, Iracema e Martin, e Jack e Rose no cinema. Cantamos canções tristes,
cuja beleza e sentimento comovem e causam empatia, mas não nos refletem mais.
Em tempos de “amor líquido”, fazendo referência ao sociólogo
mais citado em nossa atualidade, Zygmunt Bauman, a impressão que temos é que
não existem mais bases sólidas para se construir um amor duradouro. E não há paciência,
nem compreensão, nem mesmo vontade de compreender. Se paixões duravam três
anos, em tempos de liquidez, duram três meses: às vezes intensos, por vezes
marcantes, às vezes inesquecíveis e não vividos plenamente, deixando-se cair
nas histórias tristes de amores não amados. Nossas histórias se desfazem em
prantos e poemas mal escritos de gaveta. São raras as histórias de amor em
tempos de liquidez, mas são muitas as histórias de paixão avassaladora.
A
bela reflexão que o filme “Romance” nos traz transita entre as paixões dos
homens e das artes.
Somos apaixonados por histórias, por imagens, por
acontecimentos, pela vida. Ao final, mais uma história de amor é escrita em
meio ao sofrimento das personagens, um clichê daqueles que amamos, e ainda
esperamos por um final feliz. Sempre há esperança no amor, e, em tempos de
amores instantâneos e paixões sem alicerces, esta é o que ainda nos faz seres
humanos!