O desabafo de Fernanda

segunda-feira, 18 de novembro de 2013



O texto de hoje será um pouco diferente das paisagens que estou acostumada a postar aqui no blog: dessa vez não tem romantismo, não tem miséria, não tem drogados. Graças à Fernanda, moça que escolhi, no ônibus quase vazio, para me sentar ao seu lado, o texto de hoje é um desabafo. Mas não meu, o texto é um desabafo da Fernanda.  
  
Fernanda me olha e solta um suspiro. Obviamente não entendo o seu significado. Ela olha pela janela e vê uma geladeira rosa sobre uma caminhonete. “Você viu? Era uma geladeira rosa. Eu queria ter uma geladeira rosa”, diz Fernanda. Eu não vi, respondo à moça. Era o pontapé inicial para a conversa. 
  
Depois de nos cansarmos de falar sobre geladeiras, fogões e carros rosa, Fernanda me diz, de repente: “eu tenho esclerose múltipla”. Eu, em minha ignorância, tinha uma leve lembrança do que seria esclerose múltipla: uma doença grave, muito grave. Ponto. Fico olhando para Fernanda pensando que ela talvez devesse estar internada, ou algo do tipo, se tivesse mesmo esclerose múltipla. Ela me surpreende quando começa a contar sua história. Fernanda teve uma crise aos 18 anos, ficou imóvel, sem memória, sem poder comer, sem falar, por vários dias, até que descobriram qual era a causa de sua crise, a esclerose múltipla. Luta contra a doença tomando injeções “dia sim dia não”, que são doloridas, para evitar as crises e “sumir as manchas no meu cérebro”, conta a moça.

Em sua história não aparece a palavra mãe. Fernanda me fala do pai e das tias que a criaram. Parece ter tido uma infância sofrida. Na crise, foi levada às pressas para um hospital público em Osasco. 

Agora, aos 22 anos, a doença “controlada”, Fernanda ainda toma injeções “dia sim dia não”, mas está cansada desta luta. Fernanda também trabalha no Mc Donalds (o que realmente a transforma em uma guerreira), e desabafa comigo que sua fé é que diminuiu as “manchas no cérebro” que apareciam na ressonância magnética e a forte dor de cabeça que a maltratava.
  
Sempre que termina de relatar um acontecimento, Fernanda suspira, com a cabeça levantada, talvez para segurar o choro. Mas Fernanda é muito forte, não chora. Assim como é forte para injetar o remédio nela mesma. Assim como é forte a prece que ela faz, todas as noites, para que as manchas no cérebro sumam na próxima ressonância. E eu acredito em Fernanda. 

Ao descer do ônibus, cumprimento Fernanda segurando em seus braços e dizendo “na próxima ressonância, você estará muito melhor, pode acreditar”. E Fernanda acredita em mim.

Graças a sua força, simpatia e simplicidade, Fernanda ganhou nesta tarde mais uma voz para rogar a Deus por sua recuperação, a minha. E neste desabafo de Fernanda, se houver pelo menos mais uma voz na mesma oração, Fernanda ficará ainda mais forte e não haverá mais manchas, nem dores de cabeça, e nem injeções.

Paisagem XXVI - Sedução

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Na pressa para o compromisso para o qual nem estou atrasada, saco o batom da bolsa e retoco os lábios, devagar, com o cuidado de quem pinta um detalhe no quadro já acabado. O rapaz no banco ao lado me olha, estaria desejoso destes lábios? Repara nos contornos e nas voltas do batom. Repara nos contornos e nas voltas dos meus lábios. Cada passagem do batom dura uma fração de segundo, assim como a chegada da próxima estação. O rapaz desce, e eu continuo minha viagem, sozinha. Rapaz, você ganhou um post!

Feriado na praça

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

No feriado do dia 02/11 fui à Praça Roosevelt fazer um trabalho com os seus frequentadores. A praça estava lotada, uma paisagem bastante bonita de pessoas sentadas ao sol e skatistas treinando em todos os cantos. Sentado, observando os filhos que também andavam de skate, estava o Clemente, vocalista da banda Inocentes, de óculos escuros fuçando no celular. Paramos para conversar com ele, apenas alguns minutos, para não atrapalhar o descanso do pai com seus filhos. É legal perceber que os anos acalmam os ânimos, os ideais, o espírito, e transformam a figura do punk no pai de família dedicado que brinca com os filhos no parque, numa tarde ensolarada.

 
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