Paisagem 36 - Ao celular

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Ela sorria enquanto olhava o celular atenta, sentada frente a mim no banco do trem. Celular tem dessas coisas: às vezes faz sorrir, às vezes chorar, às vezes xingar. Era um sorriso sincero e divertido, talvez de uma mensagem galanteadora do "crush", ou de uma amiga engraçada que acordou de bom humor. O sorriso sincero me intrigava, e eu ficava a observá-la, imaginando o que estaria se passando naquela tela. Ela percebeu, mas continuava a sorrir, mesmo olhando para mim. Havia um abismo entre nós, comunicacional, eu diria, que não me deixava compreender a mensagem que ela passava com os olhos e com aquele sorriso. Eu estava ali, curiosa e tentando decifrar o enigma do celular, algo quase impossível. Ela sorria e ria, por dentro, da insolubilidade de seu enigma e de minha incapacidade de desviar o olhar e o pensamento. Celular tem dessas coisas, transforma seus arredores em silêncio, como numa bolha, e o seu mundo cabe naquela tela minúscula, transmutável ao toque de seus dedos. Eu estava fora, curiosa, excluída. Desci três estações seguintes. 

Paisagem 35 - A galinha do vizinho

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Foto minha!


Há alguns dias notei que uma galinha anda circulando nos telhados, de frente para minha janela. Quando ela some, geralmente desce até a casa do vizinho, ou dorme embaixo da caixa d’água de outra vizinha. A galinha é preta, e tranquila, não incomoda nem mesmo os gatos que tomam seus longos banhos de sol sobre o mesmo telhado. Hoje, após muitos dias observando-a, flagrei-me a pensar sobre a galinha: será que tem companheiras lá embaixo, que não são tão corajosas a ponto de subir e explorar os telhados? Será que é a única, em meio a este caos que é a cidade grande, onde ninguém mais cria galinhas? Seria uma galinha solitária? (tadinha! Galinhas não precisam socializar com outras galinhas?) – desculpem a minha ignorância, mas estas perguntas são verdadeiras, pois não entendo de galinhas. Acabei de olhar pela janela. A galinha está tomando sol ao lado da caixa d’água. Tive medo, por um minuto, de amanhã ou depois ela não estar mais lá, ao sol. Não conheço os vizinhos seus donos, não sei se a comerão amanhã, ou se farão alguma mandinga com o seu corpo preto (a galinha é preta). Joguei uns farelos de bolacha e ela me olha desconfiada. Ainda estou com medo de acordar e não tê-la mais na paisagem feia de minha janela: telhados velhos, caixas d’água e uma galinha preta. Melhor eu parar de pensar sobre o futuro... se nem mesmo de galinhas eu entendo!


 
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