Paisagem XXXII - Dezembro

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014



Vejo cachorros sendo tratados como príncipes e homens tratados como ratos de esgoto. Qual será o critério utilizado pelo Universo quando se trata de merecimento? Quem merece o quê, e como? A meritocracia cósmica é mais cruel que a dos homens, penso enquanto caminho. Atração, reação, merecimento: eu mereço essa inquietude que tudo questiona, e procuro respostas que nunca terei. Atração, reação, merecimento: é melhor que eu agradeça, na noite de Natal, o chester sobre a mesa. Honrar a vida do animal morto em nome do nascimento do Homem que está sendo aos poucos esquecido. Se aplicarmos o conceito de meritocracia, vira blasfêmia? Acho que sim, melhor parar por aqui e agradecer: pelo chester, pelo cachorro, por não estar no esgoto com os ratos. Ano que vem começa tudo de novo, se você merecer um ano novo.   

A propósito, Feliz Ano Novo!!! :) 


Paisagem XXXI - Os construtores

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Caminho sozinha pelas ruas da Lapa, em São Paulo, em busca de arte. Encontro trabalhadores cansados que deixaram seus trabalhos às 17h da tarde, depois de um dia cheio que provavelmente começara às 05h da manhã. No contrafluxo, ouço trechos de suas discussões desconexas, fala de gente simples para gente simples; piada de gente simples para gente simples; vestes de gente simples. No contrafluxo, o cabelo ruivo da moça se prendeu em meu braço, trazido pelo vento, e me acompanhou em meu trajeto. A cantada do homem em frente à loja me acompanhou ao outro lado da rua, e então a deixei pelo caminho. No contrafluxo, cruzei com os construtores da Lapa, os que trabalham para que a grande engrenagem funcione, não perfeitamente, mas minimamente possível para a continuidade da vida. Eles me acompanharam à exposição de arte, e voltaram para casa comigo, ainda meio estranhos, ainda com olhares desconfiados.

Foto: construtores - Paulo Pires


Meu relicário

sexta-feira, 31 de outubro de 2014



Uma mão, um abraço, uma noite inteira guardada num relicário. “O mundo está ao contrário e ninguém reparou”... claro que não, o mundo parou quando você chegou ao seu lado.




Ah, Clarice!

sábado, 25 de outubro de 2014

"Você na certa deve ter me conhecido num momento em que eu estava cheia de esperança. 
Sabe como eu sei? Porque você diz que sou linda. Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança, então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza."

(Texto "Adeus, vou-me embora")

Ah, sua linda!!!

Nossa omissão de cada dia!

domingo, 19 de outubro de 2014


Outubro começou de forma chocante, com um grito desesperado pela manhã pedindo socorro. Não um grito meu, mas o grito de alguém que precisa de ajuda por dentro, para uma angústia que já não cabia mais no peito e transbordou nas frases disparadas na rua onde moro. E mais triste que ouvir os gritos de socorro é perceber a sua impotência diante do outro que sofre. E mais triste que a sua impotência é a sua omissão. A gente diz que é bom e reza todas as noites. A gente joga o lixo no lixo e deixa livre o lugar dos idosos. E a gente acha que isso é o suficiente. Mas não é... é preciso não ser omisso, caro leitor! Não seja omisso!

Das coisas que vão, das coisas que ficam...

quinta-feira, 28 de agosto de 2014



Das folhas que caíram, do branco que passou, dos dias que acabaram, das coisas que ficaram... da música que não ouvi, das mãos que não toquei, das coisas que falei, das coisas que não disse... da presença que chega e fica, da distância de some e se vai, das dúvidas que surgem e incomodam, do olhar que tranquiliza e acalma... entre as coisas que quero que fiquem estão os teus dedos dentre as minhas mãos, nada mais.


Paisagem XXX - Sobrevivendo

quarta-feira, 13 de agosto de 2014



Vejo um adesivo de candidato a deputado estadual colado nas costas de um senhor. Ou quiseram tirar um sarro dele, ou usaram-no na campanha. Acredito que seja a primeira opção. Não li o nome do candidato, só reparei nas vestes surradas do velhinho que caminhava à minha frente. Um retrato da terceira idade no nosso país: uma vida de trabalho pela sobrevivência (uma vez li em algum lugar que brasileiro não vive, sobrevive), e a recompensa não vem nunca. Acho que ele não espera recompensa. Só quer sobreviver. O caminho amontoado de bolivianos vendendo lenços, e nós desviando deles. São obstáculos para se chegar à estação, eles também sobrevivem. Os motoristas de ônibus sobrevivem em meios aos cães abandonados e vendedores de cachorro quente. As baratas sobrevivem entre todos, e sobrevivem a todos. A paisagem da estação muda entre pilares e concreto, assim como as pessoas mudam: vejo rugas, mau humor e decepção. Um dia eu vi amor, só um dia. Depois não vi mais.


 
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