Breve reflexão sobre o filme "Romance", de Guel Arraes, e a duração das paixões

sexta-feira, 15 de abril de 2016

"Eu quero a sorte de um amor tranquilo" (Cazuza)

Paixões duram no máximo três anos, diz o personagem de Wagner Moura, Pedro, no filme Romance (2008), de Guel Arraes. 

Com o enredo desenvolvido em torno da encenação da história mítica de Tristão e Isolda, Pedro e Ana (Letícia Sabatella) vivem uma bela história de paixão, amor, encontros e desencontros. É interessante notar como as paixões são tratadas no decorrer do filme. A paixão de Tristão e Isolda, cujo final trágico leva, há séculos, milhares de leitores e espectadores às lágrimas, é utilizada como parâmetro para as discussões sobre amor e paixão em nossos dias. É preciso sofrer tanto por amor? Existem amores tranquilos? O amor entre Pedro e Ana nasce puro e apaixonante. Personagens que se encaixam e se completam, prontos para viverem o romance perfeito e duradouro dos sonhos dos seres humanos. Porém, Pedro, cético e pessimista, já nos alerta desde o início: paixões duram apenas três anos.

Fadados, então, à falência do amor e à deterioração da paixão, Pedro é consumido pelo ciúmes (da carreira e da pessoa de Ana), e, como personagem de romance que é, insatisfeito com o mundo à sua volta (o herói romântico de Lukács), põe fim à história que o espectador tanto almeja que tenha um final feliz.

Por que seria tão difícil acreditar que haja amor eterno? O amor compartilhado, cultivado e alimentado pode crescer e se multiplicar, e durar. Nós, descrentes de paixão e confiança no outro, colocamos limites e barreiras. Sem querer, criamos histórias paralelas para preencher o vazio que o outro nos deixa com a sua ausência, inclusive histórias destrutivas. Muitas vezes nós mesmos ocasionamos a ausência, como acontece no filme, com o aparecimento de Orlando, personagem de Vladimir Brichta, pelo qual Ana se apaixona na ausência de Pedro em sua vida.  

E as histórias paralelas não duram, ao contrário, retomam vestígios do amor antigo,  buscando semelhanças para confortar a falta e tentar sobreviver. Histórias paralelas e, no entanto, ainda repletas de vida e de plenitude, mas que não são o enredo principal. Somos heróis de um romance boicotado por nossa própria descrença e insatisfação com o mundo e com o outro. Não aceitamos as diferenças, não compreendemos a diversidade e não discutimos mais a relação. Nossos heróis favoritos sofrem há séculos por amor, e assim seguimos, também sofrendo. Mas há uma imensa diferença entre nossa geração e a de nossos heróis: criamos nossas próprias barreiras e impedimentos; muros erguidos entre nosso coração e o mundo, na tentativa de nos protegermos da dor. Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Iracema e Martin, e Jack e Rose no cinema. Cantamos canções tristes, cuja beleza e sentimento comovem e causam empatia, mas não nos refletem mais.

Em tempos de “amor líquido”, fazendo referência ao sociólogo mais citado em nossa atualidade, Zygmunt Bauman, a impressão que temos é que não existem mais bases sólidas para se construir um amor duradouro. E não há paciência, nem compreensão, nem mesmo vontade de compreender. Se paixões duravam três anos, em tempos de liquidez, duram três meses: às vezes intensos, por vezes marcantes, às vezes inesquecíveis e não vividos plenamente, deixando-se cair nas histórias tristes de amores não amados. Nossas histórias se desfazem em prantos e poemas mal escritos de gaveta. São raras as histórias de amor em tempos de liquidez, mas são muitas as histórias de paixão avassaladora. 
A bela reflexão que o filme “Romance” nos traz transita entre as paixões dos homens e das artes. 
 
Somos apaixonados por histórias, por imagens, por acontecimentos, pela vida. Ao final, mais uma história de amor é escrita em meio ao sofrimento das personagens, um clichê daqueles que amamos, e ainda esperamos por um final feliz. Sempre há esperança no amor, e, em tempos de amores instantâneos e paixões sem alicerces, esta é o que ainda nos faz seres humanos!
 
 
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