Paisagem 36 - Ao celular

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Ela sorria enquanto olhava o celular atenta, sentada frente a mim no banco do trem. Celular tem dessas coisas: às vezes faz sorrir, às vezes chorar, às vezes xingar. Era um sorriso sincero e divertido, talvez de uma mensagem galanteadora do "crush", ou de uma amiga engraçada que acordou de bom humor. O sorriso sincero me intrigava, e eu ficava a observá-la, imaginando o que estaria se passando naquela tela. Ela percebeu, mas continuava a sorrir, mesmo olhando para mim. Havia um abismo entre nós, comunicacional, eu diria, que não me deixava compreender a mensagem que ela passava com os olhos e com aquele sorriso. Eu estava ali, curiosa e tentando decifrar o enigma do celular, algo quase impossível. Ela sorria e ria, por dentro, da insolubilidade de seu enigma e de minha incapacidade de desviar o olhar e o pensamento. Celular tem dessas coisas, transforma seus arredores em silêncio, como numa bolha, e o seu mundo cabe naquela tela minúscula, transmutável ao toque de seus dedos. Eu estava fora, curiosa, excluída. Desci três estações seguintes. 

Nenhum comentário:

 
FREE BLOGGER TEMPLATE BY DESIGNER BLOGS